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A Psicologia, muitas vezes, apresenta uma incômoda contradição: ela preconiza que as pessoas que buscam sua ajuda procurem conhecer e resolver sua história, principalmente reconhecendo os conflitos que ali permanecem recalcados. Segundo ela, esse desconhecimento seria um dos responsáveis pelo sofrimento e sua variedade de sintomas. Entretanto, nem sempre ela se dispõe a tal processo enquanto um saber, fazendo uma reflexão crítica aprofundada quanto a suas própria raízes e trabalhando temas incômodos como a hipnose. Concebe-se aqui que a reflexão epistemológica e histórica sobre este tema seria altamente terapêutico para esta ciência, inclusive para a remissão de algumas de suas epistemopatias.
 
Assim, ao invés de destacar que existe "uma Psicologia científica" em detrimento de outras (e este talvez seja o sintoma mais neurótico desta ciência), a Hipnose apela para demonstrar que nenhuma proposta de Psicologia conseguiu encarnar com perfeição o projeto moderno de ciência, o que não permite pensar em superioridade científica, clínica ou epistemológica de uma escola quanto às demais. O que existem são propostas de conhecimento possíveis face a um campo altamente complexo - a subjetividade humana - e que as ciências deste campo necessitam de um diálogo democrático para a consolidação do mesmo. 
 
A Hipnose leva a pensar, nesse sentido, que não existe um Método absoluto, capaz de interpelar qualquer tipo de realidade. Isso seria a tirania metodológica. As técnicas dos magnetizadores não poderiam, portanto, resistir ao rigor experimentalista das comissões científicas do século XVIII e XIX que os reprovaram. Da mesma forma que noções como cultura, transferência, sentido de vida, luta de classes e potencialidade humana também não o resistiriam. Isso não significa que não sejam temas passíveis do interesse científico, mas apenas que apresentam outras exigências ontológicas.
 
A Hipnose leva a pensar que um pensador pode ser importante em termos de sua pertinência científica, mas não se constitui como representante da verdade, como Freud. Os mestres-fundadores não podem, portanto, ser alçados a uma condição de divindade, mas apenas ocupar o lugar de pensadores e pesquisadores, cujo trabalho necessita da crítica para evoluir. Isso fez com que o próprio Freud revisse, ao final de sua vida, no texto Análise Terminável e Interminável (1937), a pretensa superioridade da psicanálise quanto à hipnose e os outros métodos terapêuticos, ponto que não foi considerado pela maior parte de seus seguidores.
 
Desse modo, a Hipnose apresenta uma proposta de coerência à Psicologia, o que também tem surgido a partir de outros movimentos. Ela diz de como nossas instituições se organizam em termos de poder, política e produção de conhecimento. Essa clareza consiste num ponto da mais alta pertinência para a terapia de sua neurose, ou quiça de sua esquizofrenia científica. Contudo, se esta proposta parece ser tão interessante, porque será que ainda é tão pouco trabalhado nos currículos acadêmicos e encontra tanta resistência junto a agências de pesquisa, revistas científicas e associações profissionais? Porque será que a Psicologia tanto resiste a buscar sua própria terapia?
 
Fontes:
Chertok, L. & Stengers, I. (1990). O coração e a razão. A hipnose em questão de Lavoisier a Lacan. Rio de Janeiro: Zahar.
Neubern, M. (2009). Psicologia, hipnose e subjetividade. Revisitando a história. Belo Horizonte: Diamante.
Stengers, I. (2002). Hypnose: entre magie et science. Paris: Synthélabo.
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Hipnose & o Recalque Histórico da Psicologia

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